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Pelas Lentes do Barbeiro

PARTE 1

   Na tarde ensolarada de Irapé nascia em 1938 Ederaldo Almeida. Irapé se chamava assim porque na verdade era um cemitério da cidade de Chavantes, interior de São Paulo, e que era tão próximo que dava pra ir a pé. Em volta do cemitério formou-se aos poucos um povoado que vivia dos frequentes enterros das pessoas da região.

    O pai de Ederaldo,  senhor Paulo Eduardo Almeida, era barbeiro e mais conhecido como“seu. Paulino”. Seu pai e avô pedem ter sido barbeiros, não se sabe ao certo, mas o seu irmão, Manoel, era barbeiro e gostava de uma tesoura. Tanto que, quando se casou, a primeira coisa que fez foi cortar o cabelo da sua esposa curto. Isso enraiveceu o sogro que não admitia mulher de cabelo curto na família. O sogro foi inflamado de razão e raiva brigar com o genro Manoel por ter feito essa indignação com sua filha. Mas o que ele não sabia é que Manoel não gostava só de tesoura, mas também dum revólver. E foi exatamente no pico daquela discussão acalorada que Manoel desferiu três balaços no peito do sogro. Deixou-o ali pra vizinhos, parentes e polícia entender que não se contraria um barbeiro armado. Manoel tratou de pegar suas coisas, sua submissa mulher e sair em fuga para onde se esconder. Isso ocorreu no começo de 1936. Manoel veio parar em Londrina, uma pequena cidade projetada pela Companhia de Terras do Norte do Paraná, que recebia imigrantes italianos e japoneses aos montes. Por isso quando Manoel já tinha sua barbearia e casa estabelecidas e então com dois filhos, tratou de chamar por carta a seu irmão Paulino. Paulo Eduardo recebe a carta e se anima, lugar de fazer muito cabelo e barba dos imigrantes italianos e japoneses “chegando todo dia” dizia a carta, “lugar de juntar dinheiro”.

    Paulino tinha já dois filhos, o Nelson e o Mauro, mas Ederaldo estava a caminho, assim esperaram só o menino nascer e juntaram as trouxas para dentro do primeiro trem Maria Fumaça em direção a Londrina. Na viagem o bebê Ederaldo ganhou uma marca. Uma brasa se desprendeu da chaminé e veio direto na barriga do bebê Ederaldo causando uma considerável queimadura logo acima do umbigo. O ferimento foi curado com o trem em movimento depois de muito choro do bebê e comoção dos passageiros.

    Quando descem no destino final, na ferroviária de Londrina, uma expeça neblina cobria a cidade e achar o endereço indicado por Manoel não foi tarefa fácil, principalmente com o frio, a fragilidade daquele bebe em recuperação de um ferimento grave junto de sua mãe, pai e os dois irmãos pouco maiores. Mas Paulino não desistiu. Foi perguntando, perguntando até que os fregueses dos armazéns de secos e molhados conseguiram indicar onde se encontrava o barbeiro Manoel.

    O endereço que aguardava a recém-chegada família era um terreno de frente com a casa de Manoel. Neste terreno Paulo levantou uma casa com tronco de palmito, coberta de sapé e chão de terra batido com cinza. Ali mesmo, na sala da sua casa, se iniciou as atividades de barbearia. Naquele endereço, nos dias atuais, entre as Ruas Tupi e Prefeito Hugo Cabral, funcionou por muito tempo a Cipasa, concessionaria da Wolksvagem. Logo ali em frente no final da avenida Paraná se formou depois o coreto municipal, ponto central da cidade.

    Naquela época o “tio Manoel” já era moderno, tinha casa assoalhada sobre palafitas suspensas. Manoel ainda teve mais duas filhas, Amélia e Dulce, que também viraram barbeiras para ajudar o pai. Diferente dos dois filhos mais velhos que não veriam trabalhar e só aprontavam peripécias. Mesmo sob a disciplina severa do pai, os meninos acabaram em um reformatório e lá vieram a falecer em uma tentativa de fuga! Infelizmente Manoel enfrentou outras dificuldade familiares que o levaram a deixar a cidade, enquanto suas filhas em Londrina cresceram e casaram, entre elas Dulce que nunca deixou a profissão.

    Assim, com a saída de Manoel de Londrina, o senhor Paulo Eduardo se tornou o principal barbeiro oficial de Londrina e passou a ganhar fama e “ajudantes”, seus filhos! Nelson e Ederaldo gostavam da profissão, já Mauro parecia não levar jeito para coisa. Depois vieram, Eduardo e João, também barbeiros com os salões Lorde 1 e Lorde 2 na rua Quintino Bocaiúva em funcionamento até os dias atuais. O caçula, Hélio também não seguiu a profissão, mas seu filho André, excelente cabeleireiro e não fugiu a herança genética, está em plena atividade. As filhas do “seu Paulino”, Cida, Lídia e Eurides se dedicaram a outras profissões.

    Ederaldo era engraxate na barbearia do seu pai aos oito anos de idade já ajudava o pai a fazer barbas. Tentou trabalhar em outra coisa quando um freguês dono da fábrica de balas pediu ao senhor Paulo Eduardo para experimentar o filho como vendedor de balas Nissigima. Viajando na boleia, mas muitas vezes na carroceria do caminhão, ficava sem vender balas e aí tinha que comer o que tinha na estrada, cortar e descascar palmitos verdes donde tirava o miolo, eram encontrados no trajeto da Quinta do Sol, Engenheiro Beltrão e Alta Floreta. Depois de um ano dessa dieta forçada, Ederaldo voltou pra barbearia e decidiu: “vou ser barbeiro que é melhor até pra comer”.

    Muito cedo na vida ainda na adolescência, o irmão de Ederaldo, Nelson, acabou fugindo com a mulher para se casar em São Paulo e o Mauro também se casou com uma maringaense e lá ficou. Assim Ederaldo foi encarregado dos demais irmãos, sendo ele o mais velho e “autossuficiente”, entre os 10 anos em diante já tinha que cuidar de uma galera nada fácil de levar. Se uma traquinagem era descoberta e Ederaldo não tinha endireitado os mais novos, quem apanhava era ele. Claro que ele também liderava roubos de melancia, manga, milho, laranja e outros itens das roças de sítios vizinhos. Certa vez o capataz de uma fazenda lhe agarrou roubando manga no pé e levou ele para o dono da fazenda que para sua surpresa disse: “ solta esse tipo aí que ele é meu barbeiro”.

    Outra vez um japonês, dono de um pomar de poncãs, surpreendeu Ederaldo se deliciando com as frutas no pé e disse, “mas Ederaldo, é você? Você é meu barbeiro!”. Ederaldo pensava que iriam contar para o pai dele na barbearia, mas eles foram parceiros da fome do garoto e resolveram relevar. Ederaldo dizia “Ufa, que bom é ser barbeiro porque ter freguês é ter amigos“.

Texto: Paulo Ricardo Almeida

Revisão: Bruno Camilo